Opinião: Caminho da vitória da Ucrânia passa pelas ruas de Moscou

Internacional

A viagem do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Washington, na semana passada, marcou a nova fase da guerra do seu país.

Com a luta em impasse no campo de batalha, e com o apoio ocidental à Ucrânia vacilando, a batalha no Congresso dos Estados Unidos pode ser a mais importante no conflito.

É claro que a Ucrânia precisa assegurar fisicamente as linhas do front contra as forças russas. Mas não está claro se o presidente da Ucrânia pode avançar a linha de frente política nas capitais ocidentais longe e rápido o suficiente para empurrar a Rússia para fora do solo ucraniano.

Com o desenrolar do drama diplomático e político, fica cada vez mais evidente que só há três formas de a guerra na Ucrânia acabar. Uma é a Rússia ganhar pura e simplesmente, com a tomada permanente do território e a cessão da Ucrânia. A segunda é a vitória da Ucrânia.

Nesse cenário, a Ucrânia teria de recuperar a Crimeia, o centro de gravidade em torno do qual a guerra piorou desde 2014, quando foi ocupada pela Rússia. O terceiro –e cenário mais provável– é com os combates sendo congelados e seguidos por uma resolução política daqui a anos.

Depois de mais de 600 dias desde fevereiro de 2022 –e quase 3.600 dias desde que os ucranianos começaram, em 2014, a lutar e morrer para repelir as forças do presidente russo, Vladimir Putin– as forças de Kiev conseguiram parar a tentativa da Rússia de tomar conta da Ucrânia por inteiro.

Agora, a vitória russa parece ser uma na qual a Ucrânia faria concessões numa mesa de negociações. Ou seja, uma batalha jurídica pela paz em meio ao apoio ocidental estagnado e perda legal dos seus direitos a Donbas, Crimeia e a outro território que a Rússia tomou.

A solução certamente seria desagradável para os ucranianos. Uma pesquisa do Gallup feita no meio do ano mostrou que os ucranianos se comprometiam totalmente a continuar a luta contra a Rússia.

Aqueles que queriam continuar lutando foram quase unanimidade na pesquisa. Para eles, declarar a vitória exigirá recuperar todo o território perdido desde 2014. Para Zelensky, esse sentimento público torna a negociação muito difícil.

Não está claro se os líderes ocidentais reconhecem a firmeza de posição do povo. Porém, neste momento, os ucranianos não parecem querer que os seus líderes cedam permanentemente um território tão querido pelo qual não lutam apenas soldados, mas sim toda uma população que sofreu dois anos de ataques de mísseis, destruição de cidades e atrocidades nas mãos do exército invasor da Rússia.

Possibilidades de vitória ucraniana

Deixando de lado a perspectiva complicada e deprimente de a Ucrânia dar terras e ceder à Rússia, Kiev fica com duas formas de ganhar. Se os governos dos EUA e da União Europeia conseguirem ultrapassar o impasse político e oferecer uma nova rodada de ajuda, e talvez armas mais avançadas, a Ucrânia pode tentar usá-la numa tentativa drástica de capturar a Crimeia.

Ou Kiev pode tomar o caminho mais longo e mais provável: não buscar um acordo que acabe com a guerra e ceda território, mas um cessar-fogo que pause os combates, preservando as reivindicações legais da Ucrânia sobre o seu território, na esperança de que um dia possa recuperá-los.

São as únicas possibilidades por uma razão simples: não importa o que aconteça, a forma de a Ucrânia vencer esta guerra – se isso for, de fato, vencer – é nas ruas de Moscou.

Apesar de todos os esforços ucranianos e ocidentais para se opor ao pesadelo fantasmagórico de Putin de um grande “mundo russo”, e apesar das fortunas gastas em armas de alta e baixa tecnologia serem usadas no campo de batalha, a natureza subjacente da guerra não mudou.

A guerra continua a ser uma batalha de força letal cujo objetivo é resolver o que é, na verdade, uma questão política. Nas palavras de Carl von Clausewitz –o general do século 19 que meus estudantes militares chamam de “Carl Morto”– a guerra é uma questão política usando “outros meios”. O que acontece no campo de batalha, em última análise, deve chegar à política na capital do inimigo para que assim a luta mude o curso de uma guerra.

Perdoe esse momento professoral, mas vale a pena entender que a visão básica de Clausewitz sobre a natureza da guerra tem um efeito profundo sobre como os oficiais militares em todo o mundo ocidental e como eles pensam sobre quando a força militar funciona e não funciona.

Para ter uma noção de como esses oficiais enxergam o que está em jogo na Ucrânia hoje, e das formas do que pode acontecer no ano-chave de 2024, é fundamental saber algo sobre a abordagem de “Carl Morto” à guerra e à política.

Análise filosófica

Para Clausewitz, um general da Prússia (hoje Alemanha) do século 19 e filósofo dos primórdios da guerra moderna, a força militar é a única maneira de se defender contra uma intenção inimiga que tem o mesmo tipo de objetivo que Putin: a imposição do controle político a um país alvo.

Nesse jogo de luta livre de força letal entre os dois lados, a habilidade profissional e a tecnologia são necessárias –mas também a coragem e a determinação. Para Clausewitz, os componentes críticos da vitória são a vontade política de levar a luta a cabo, mesmo através de perdas; a vontade dos homens (e, hoje, das mulheres) que lutam; e a vontade da população de apoiar, ou pelo menos concordar com, o esforço.

A trindade de política, militares e população é a grande visão do trabalho de Clausewitz. A educação militar profissional enfatiza que essas variáveis constituem a verdadeira natureza de toda a guerra, seja na Roma antiga ou nas terras encharcadas de sangue da Ucrânia.

Para vencer, um dos lados tem de afetar a vontade política do inimigo e mudar as suas decisões sobre como ou se sequer quer lutar. A força letal e as sanções econômicas têm de levar o inimigo a um ponto de fracasso que afete a população do inimigo ou a sua liderança política e militar de tal forma que esses líderes concluam que a rendição, o cessar-fogo ou uma solução negociada são caminhos melhores do que continuar a lutar.

Como começam as guerras

Revoluções, golpes, eleições: é assim a decisão de travar uma guerra é alterada. Cada grupo na sociedade pode influenciar o que se decide sobre uma guerra ou quem toma as decisões.

Os combatentes fazem esforços semelhantes para mudar os decisores do inimigo em tempo de guerra. As supostas tentativas da Rússia de assassinar Zelensky (e os planos aliados para eliminar Hitler durante a Segunda Guerra Mundial) refletem a observação de Clausewitz sobre a relação entre a guerra e a política. A natureza da guerra é constante, mesmo quando suas ferramentas e estratégias mudam.

Então, o que diz a análise de guerra de um filósofo prussiano do século 19 sobre o estado atual dos assuntos no maior conflito da Europa desde 1945?

Até agora, ela mostra como e por que razão o sucesso final iludiu a Ucrânia até agora. Para todas as incríveis atuações no campo de batalha da Ucrânia, não está claro que houve qualquer efeito significativo na política em Moscou.

Putin enviou à morte ou mutilou permanentemente mais de 190 mil soldados, de acordo com uma estimativa revelada no fim de outubro pelo Ministério da Defesa da Grã-Bretanha e que não inclui os mercenários do Grupo Wagner, muitos recrutados das prisões, que lutaram e morreram em Bakhmut.

Mas a população russa ainda não se revoltou. O povo russo está tão mergulhado na propaganda nacionalista durante tantos anos que um amortecedor fica entre a realidade da guerra e a percepção pública dela.

Há muitas razões para isso. Recrutar militares em províncias longínquas, em prisões e em outros países isolou a classe média russa mais provável de ameaçar o governo de Putin. Quando há protestos, a liderança política da Rússia usa os serviços de segurança para sufocá-los.

O desempenho do campo de batalha também tem algo a ver com isso: embora a liderança militar tenha cometido um erro atrás do outro, ela foi salva da derrota no campo de batalha pela sua grande vantagem e pela quantidade de artilharia e mísseis capaz de lançar na Ucrânia. (Manter o fluxo de bombas é uma grande razão pela qual Zelensky procurou pessoalmente ajuda de Washington neste mês. A quantidade pode ganhar da qualidade, seja em homens ou em artilharia.)

Kiev não conseguiu matar o urso russo. Não afetou a política nas ruas de Moscou, muito menos dentro dos muros do Kremlin. A guerra ainda não alterou a vontade de Putin, dos seus generais ou do povo.

Necessidade de ajuda ocidental

Para que isso mude, a Ucrânia precisará de mais, e o Ocidente deve fazer três coisas para ajudar. Primeiro, tem de dar à Ucrânia o que o seu general principal, Valery Zaluzhny, mencionou recentemente numa entrevista longa à revista “The Economist”.

Zaluzhny pediu uma melhor tecnologia militar para superar o problema de quantidade versus qualidade que tem atormentado suas forças desde o início. Biden vem pedindo isso ao Congresso dos EUA, mas os Republicanos estão atrasando a votação.

Aqui, Clausewitz oferece mais informações sobre o desafio que o presidente da Ucrânia enfrenta em tempo de guerra. Zelensky precisa quebrar o impasse político do Ocidente.

Além dos três principais fatores de Clausewitz influentes no resultado de uma guerra (a vontade de líderes, soldados e populações), Kiev enfrenta o problema adicional de manter os eleitores americanos e os políticos do Congresso na luta. Zelensky não controla o cenário político americano num ano de eleições presidenciais, e isso pode ser fatal para a sua esperança de empurrar o exército russo para fora do seu país em 2024.

Quanto à forma de a Ucrânia ganhar, usando qualquer apoio ocidental que consiga garantir agora e no futuro, há o caminho curto e o longo.

Só há um caminho, e bem difícil, para uma vitória rápida e decisiva. Considerando as observações de Clausewitz, a recaptura da Crimeia é o único objetivo no campo de batalha ucraniano que pode afetar a posição de Putin na Rússia –e isso pode rapidamente reverter a origem do apoio dos EUA e da Europa.

Tomar a Crimeia foi a razão original de Putin para a guerra, iniciada pelo Kremlin em 2014, e o presidente russo colocou na península um enorme valor simbólico. Uma derrota militar dramática pode abalar a escala política em Moscou. Embora outros analistas e eu achemos que esse cenário permanece dentro do campo da possibilidade, ele não é provável dado o esgotamento das tropas ucranianas e o risco de Kiev não receber as armas necessárias a tempo.

A segunda opção –que é menos dependente da entrega imediata de armas de alta tecnologia, seguida de um rápido e drástico sucesso no campo de batalha– seria Zelensky congelar a luta e jogar uma estratégia de longo prazo para recuperar o seu território ao longo do tempo.

É um plano B se o primeiro não acontecer ou não funcionar,  que pode ser chamado de “opção de Berlim”. Embora os detratores da Ucrânia possam querer que Kiev siga a via judicial para obter a paz, a opção envolveria um tipo diferente de negociação, e o objetivo seria paralisar a guerra. De certa forma, envolveria também uma tática que a própria Rússia empregou depois da fase inicial da guerra em 2014.

O governo da Ucrânia poderia tentar um cessar-fogo com a Rússia, ao mesmo tempo em que se recusaria a perder imediatamente os direitos legais de suas terras hoje ocupadas pelos russos. Poderia entrar em negociações com a Rússia sem a intenção de ceder Donbas e Crimeia.

Depois de 2014, a própria Rússia seguiu um caminho semelhante, concordando em parar a luta e depois arrastar as negociações sobre o território da Ucrânia Oriental em negociações multidirecionais com Kiev, Paris e Berlim sob o protocolo de Minsk (que fracassou). Zelensky podia fazer algo semelhante: pausar a luta agora, mas resistir a ceder completamente na mesa de negociação.

A ideia seria deixar em aberto a opção de recuperar o território perdido mais tarde através de um ressurgimento econômico e político mais lento. Pensem em Berlim Oriental e Ocidental.