“Nós estamos a um passo do clima de violência como o de 1964”

Geral

O analista político Onofre Ribeiro disse temer que o Brasil retorne a um clima hostil de sucessivas violências como aconteceu em 1964, época do golpe militar que deu início à ditadura.

À época, a didatura durou 21 anos e foi marcada por tortura, censura, cassação de parlamentares e pessoas exiladas.

No último domingo (8), uma invasão ao Congresso Nacional, em Brasília, marcou a história política do País. Grupo de vândalos invadiram as sedes dos três Poderes em protesto contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O saldo da invasão foi fachadas pichadas, móveis quebrados, obras de arte rasgadas, salas reviradas, objetos queimados e mais um monte de depredação e destruição.

Em entrevista ao MidiaNews, Onofre fez uma análise da conjuntura atual, criticou a atuação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, falou de expectativas do governo Lula, gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os últimos acontecimentos em Brasília.

“O que aconteceu domingo pede, obrigatoriamente, um olhar de perspectiva. Não se trata de Lula nem Bolsonaro o que houve em Brasília. O que houve ali é um passo na tentativa de se desenhar uma nova perspectiva política da nova sociedade brasileira”, disse o jornalista.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O que esses atos em Brasília revelam do atual sentimento de parcela da população brasileira?

Onofre Ribeiro – O que aconteceu domingo pede, obrigatoriamente, um olhar de perspectiva. Não se trata de Lula nem Bolsonaro o que houve em Brasília no domingo. O que houve ali é um passo na tentativa de se desenhar uma nova perspectiva política da nova sociedade brasileira. Porque lá em 2014, na eleição entre Dilma e Aécio, estabeleceu uma polarização. Veio o governo Bolsonaro, que se elegeu num ambiente de polarização. Uma parcela contra o lula-petismo e uma parcela pelo Bolsonaro e outra por mudanças.

Bolsonaro governou sobre intensa polarização, no limite da polarização. Quando perdeu a eleição e terminou o governo, a polarização não diminuiu, e sim aumentou, porque somou essa polarização à frustração. Então, aquele povo foi para rua muito mais por frustração do que bolsonarismo. É uma frustração e uma busca de uma identidade nova do país, independente de A ou B. Isso podia ter sido evitado se o Lula, ao entrar, não começasse a fazer afirmações no sentido de represária instantânea ao bolsonarismo. 

Quando ele coloca o ministro da Justiça, Flávio Dino, que é do PCdoB. Se você olhar para trás, na época do regime militar o PCdoB pregava uma revolução armada para tomar o poder. Entra o Lula com a absoluta necessidade de pacificar o país e, influenciado por esse pessoal, deixou o Flávio Dino falar bobagem demais. Então, aquele sentimento inflamado que já vinha de bolsonarismo frustrado, tornou-se um sentimento vivo não mais pelo bolsonarismo, um sentimento vivo de que acabou a política e que temos que mudar isso aí.

MidiaNews – Como o senhor interpreta as invasões?

Onofre Ribeiro – Se você olhar, na hora que invadem os três poderes, isto é um gesto muito maior que uma simples invasão. É um gesto de desmonte do estado. Este estado não nos serve.

A gente não pode pegar este fato de domingo e olhar pelo factual. Tem que olhar pela perspectiva da história. O que isso vai significar, o que isto vai continuar significando e que o Brasil cansou da política que está aí e quer uma política nova. Se vai demorar um, dois, três ou quatro governo, eu não sei. Agora, isso fragilizou o governo Lula terrivelmente, porque ele vai tomar atitudes fortes num ambiente de polarização que vai gerar mais reação. Me parece que o Lula precisaria, imediatamente, entrar em campo, porque ele tem capacidade para isso, para pacificar e “beijar” na boca de todo mundo.

MidiaNews – O senhor tem experiência em política, tendo inclusive morado em Brasília. Já presenciou um momento político tão tenso feito agora?

Onofre Ribeiro: Me lembro de dois momentos: 1964 e 1963. Antes de 64 haviam invasões que eram processos comandados pelo sindicalismo do João Goulart, que era herdeiro do Getulio [Vargas]. Haviam interdições, bloqueio de avenidas, prédios públicos, fechamento de supermercados… E era muito grave isso. O outro momento foi no regime militar, que era muito comum os militares fecharem universidades. Eu estudava na UnB em 1968 quando o Exército invadiu a faculdade e espancou, prendeu e etc. O Exército invadiu o Congresso mais de uma vez. Cassou parlamentares, prendeu gente, ministros de Supremo, era uma ação de estado.

Mas era uma ação violenta que mexeu profundamente em Brasília. Me lembro de vir da universidade para casa e os ônibus coletivos serem parados pelo Exército na avenida. Descia todo mundo, colocava as mãos na cabeça e abriam as pernas para eles analisarem. Então, tinha um sentimento muito grande de inseguraça por conta da política. E é mais ou menos o que houve agora, mas a linguagem mudou. O Brasil é cíclico nessa história de instabilidade política. Agora é um desses ciclos.

MidiaNews – Não considera um erro colocar no mesmo saco pessoas que estavam lá protestando, e que não entraram nos prédios, e pessoas que invadiram e depredaram?

Onofre Ribeiro – Não é erro, não. A gente tem que considerar friamente. Quem depredou o Congresso, um dia antes a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) já tinha detectado que haveria um movimento de invasão. Então, o governo, MST e a CUT, por orientação política, fizeram a infiltração, tanto é que havia indivíduos de pretos, igual àqueles black blocks de 2013. Ali foi uma infilitração política. E a coisa era para ser uma invasão simbólica, aí, no calor da emoção, todo mundo meteu o pé na jaca. Aí, o governo fez uma contrainformação.

O Lula sabia da invasão no domingo, o Flávio [Dino] sabia, o Exército, o governador do Distrito Federal e o secretário de Segurança também sabiam. Transformaram isso numa contra informação para justificar as medidas mais duras na segurança, porque, se você lembrar, todo mundo achava que, com a posse, no dia seguinte os acampamentos dissolveriam. Não dissolveram. O governo só podia tomar uma atitude. Dentro do campo da estratégia, aproveitaram essa invasão, infiltrar e criar uma crise de segurança que justifique medidas duras daí para frente. Foi uma atitude do governo para se posicionar politicamente, porque o movimento do Lula começou muito fraca. Isso é estratégia de política. Não estamos analisando a invasão pela invasão. Atrás da invasão tem um monte de coisas acontecendo de geopolítica e de transformação social e partidária.