A médica Maria Luisa Trabachin, recém-eleita presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional Mato Grosso (SBEM-MT), reconhece a eficácia dos novos medicamentos utilizados no tratamento contra a obesidade, como as drogas a base de Liraglutida, Dulaglutida e Semaglutida.
Ela, no entanto, faz um alerta para o uso excessivo e indiscriminado desses medicamentos sem antes passar por uma avaliação médica e sem o acompanhamento adequado.
“Tem muitas pessoas utilizando sem que precisasse recorrer a esse ponto. O grande problema é que parece tranquilo, mais fácil e não precisa de receita controlada; esse é o grande problema”, diz ela.
“Será que essa pessoa realmente precisa da perda de peso? Será que para isso ela não pode intensificar mais uma atividade física? Com certeza há um superabuso”, alerta.
Em entrevista ao MidiaNews, a médica ainda falou sobre temas como diabetes, ansiedade e cirurgia bariátrica.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Nos últimos tempos, tem sido comum ouvir de pessoas que emagreceram que elas tomaram medicamentos à base de Liraglutida e Semaglutida, que seriam o Saxenda e Ozempic. Estes medicamentos são realmente tudo isso que se fala?
Maria Luisa Trabachin – Primeiro, vamos explicar melhor essas medicações. Nós temos duas drogas que são à base de Liraglutida: Saxenda e Victoza. Aí temos a Dulaglutida, que é o Trulicity, e temos a Semaglutida, que é o Ozempic, que é injetável e de uso semanal, e o Rybelsus, que é via oral e de uso diário. A caneta é melhor para o emagrecimento.
Saxenda e Victoza foram os primeiros a serem lançados nessa classe de “análogos de GLP-1”, como é chamada essa classe, a quem pertence a Lira, a Dula e a Semaglutina. O primeiro análogo a ser lançado foi a Victoza, para diabetes, depois, em estudos para a obesidade, foi lançado o Saxenda. A diferença de ambos é a dose: o Saxenda vai até 3mg e o Victoza até 1,8mg. Ambas são de uso diário.
Depois foi lançado a Dulaglutida, primeiro análogo semanal, que foi lançado ainda para diabetes, sendo usado para obesidade, pois viu que ajudava na perda de peso, mas apenas ‘off-label’, ou seja, fora da bula. Ele tem duas apresentações: 0,75mg e 1,5mg. Depois veio a Semaglutida, que em estudos se mostrou superior na perda de peso em relação aos outros até então existentes, sendo recomendada em dose semanal. Ela veio superior mas lembro que esses estudos comparativos foram na dose de 2,4mg, uma dose que não temos no Brasil. Às vezes pego pacientes que reclamam que não obtiveram respostas como ouviram falar, mas estão usando uma subdose, de 0,25mg ou 0,5mg. Não está com a dose realmente que seria mais eficaz pelos estudos.
MidiaNews – Para quais pacientes eles não são recomendados?
Maria Luisa Trabachin – Primeiro que nem todo mundo é bom respondedor, ou seja, nem todo mundo vai compensar usar. Quem responde bem a esses medicamentos geralmente são pacientes que têm um padrão alimentar “hiperfágico”, aqueles que têm o hábito de comer “pratão”, não come toda hora, mas nas refeições faz uma grande ingestão de comida. Esses são os mais respondedores. Se você pega um padrão de “beliscador”, que não come um “pratão” mas fica o dia todo comendo alguma coisa, não responde muito bem a essas medicações.
E outra: não tem sentido, se eu preciso emagrecer pouco, fazer o uso dessas medicações. Em geral elas são pra quem precisa perder um peso grande, efetivo. A pessoa que quer perder dois, três quilos, isso com uma dieta boa é possível. É preciso haver uma mudança de vida, só nisso a pessoa já perde esse peso.
Às vezes o paciente quer só tomar a medicação e não fazer mais nada, não quer mudar o estilo de vida. Assim não vai dar certo. Por que e a hora que for tirar a medicação? Não tenho que me preocupar só com o momento da perda de peso, tenho de preocupar também com a manutenção. Então se a pessoa não mudou o estilo e não faz atividades [físicas], o peso vai voltar no efeito sanfona.
Eles não têm grandes contraindicações, pois atuam mais no trato digestivo. As maiores contraindicações é pra quem tem alguma doença intestinal. Eles atuam diminuindo o trânsito intestinal causando a sensação de saciedade, causando às vezes azia e refluxo. A pessoa que tem essa doença tem de fazer um uso cuidadoso com um médico gastro, pois pode haver piora no refluxo. Mas perdendo o peso, naturalmente o refluxo melhora, ou seja, a longo prazo é bom, mas é um sofrimento.
Os efeitos colaterais em muitas pessoas são insuportáveis e acabam suspendendo o uso. Dá muita náusea, pessoas que tem enxaqueca às vezes têm crises mesmo em casos em que a enfermidade já estava controlada. Os efeitos adversos acontecem principalmente quando vai subindo as doses para chegar na meta. Por isso tem de usar quem realmente precisa.
MidiaNews – Não lhe parece que existe um exagero no uso destes medicamentos?
Maria Luisa Trabachin – Muito! Tem muitas pessoas utilizando sem que precisasse recorrer a esse ponto. A obesidade tem de ser tratada, mas vemos um exagero de pessoas que estão com um pesinho extra – não é obesidade nem sobrepeso – e quer utilizar medicação para perder a gordurinha que não lhe agrada. O grande problema é que parece tranquilo, mais fácil e não precisa de receita controlada. Esse é o grande problema.
As pessoas usam porque ouviu do vizinho que usou e funcionou. E chegam pessoas aqui falando isso. Mas o que vai acontecer quando ela parar de tomar é que com o metabolismo mais baixo que estava antes, ela vai ganhar peso e vai ser pior, causando o efeito sanfona. Por isso nada substitui a avaliação médica, para talvez te traçar uma outra estratégia de perda de peso.
Além disso, será que essa pessoa realmente precisa da perda de peso? Será que para isso ela não pode intensificar mais uma atividade física? Mas com certeza há um superabuso. E eu vejo isso pelo tanto de perguntas que eu recebo nas minhas redes sociais sobre esse assunto. A gente opina com mais exatidão porque só fazemos isso, estudamos sobre metabolismo, sobre nutrientes e as atividades.
A médica Maria Luiza Trabachin: pessoas não se preocupam com manutenção
MidiaNews – Ao fim do tratamento com estes medicamentos, o que deve ser feito para que o paciente não recupere o peso perdido?
Maria Luisa Trabachin – Há estratégias. Se a pessoa estiver fazendo uma dieta muito restritiva, a gente faz um “desmame” para ela ir se adaptando e para que peso vá se mantendo porque o metabolismo caiu né. Então até que o metabolismo vá voltando, temos de ir devagar. Com as medicações também existe esse “desmame”. Então você vai tirando aos poucos. Se voltar a ganhar peso, volta com a medicação, e vai acompanhando. Tem de ser algo muito gradativo e com muita paciência, lembrando que a estabilidade metabólica mudou, então tenho que mudar ela para o peso menor e isso leva tempo.
O que acontece muito é a pessoa chegar em determinado peso, achando que estabilizou, mas não se preocupa em manter. Vai voltar o peso, pois não teve estabilidade metabólica. O meu corpo tem de remodelar a um novo “eu”, porque ele está acostumado com o antigo que tinha mais peso. É natural que ele faça de tudo para voltar à forma antiga. Então para eu acostumar e falar “é aqui, você fica aqui, pois está muito bom” é a adaptação. Para mudar de escola, de emprego levamos meses para adaptar. E com o metabolismo é assim também, só que mais devagar. Por isso tudo tem que ser muito bem pensado.
MidiaNews – As cirurgias bariátricas são mesmo eficazes para combater o diabetes?
Maria Luisa Trabachin – A cirurgia bariátrica teve suas indicações mudadas há alguns anos atrás. Antigamente era só para obesidade, mas hoje se você tiver sobrepeso e alguma comorbidade, já pode ser feita a indicação da cirurgia. E a diabetes entra nessas comorbidades.
Sabemos que uma das coisas que mudam demais o curso da doença diabetes é a perda de peso e a manutenção dessa perda. E a cirurgia é mais fácil disso acontecer, pois fiz uma grande restrição calórica por conta de uma ‘mutilação’, pois tira um pedaço do estomago. Você fez um desvio gástrico porque as mais eficazes são as que mexem também no intestino. Logicamente que as que mexem só no estômago pela perda de peso vai melhorar muito, mas falando a longo prazo pensando no reganho, talvez não tanto. Mesmo eu fazendo cirurgia, eu posso reganhar peso? Sim, 20% dos pacientes que fizeram cirurgia reganham peso de novo. Ser não mudar o estilo de vida, isso volta.
Mas ela é sim uma medida muito eficaz, então às vezes quando você pega um caso de diabetes muito grave, muito descompensada, ela pode ser inclusive uma indicação para ir logo para cirurgia, pois precisa de uma perda de peso rápida e eficaz, principalmente os que estão tendo dificuldade nessa perda. Sabemos que normalmente perder peso já é difícil e, para o diabético, que tem ainda outras alterações metabólicas, pode se tornar mais difícil ainda.
Por isso é melhor prevenir para não chegar nisso. A prevenção do diabetes está pautada no estilo de vida. Depende muito da gente, depende do tanto de atividade que eu faço, se eu sou sedentário, da alimentação. Significa que eu não posso comer carboidrato? Claro que não, claro que eu posso comer um carboidrato. Tudo tem a ver com a quantidade e a qualidade do carboidrato. É diferente eu comer um picolé de fruta e um sorvete cremoso. Está com vontade, escolha o picolé. Lógico que se fizer de vez em quando, ok, mas não pode ser rotina. Um fast food? De vez em quando ok, mas não pode ser toda noite, duas, três vezes por semana.
Outra coisa: é um mito é pensar que o que causa diabetes é o doce. Ouço muito frases como ‘não terei diabetes nunca, pois não ligo para doces, eu gosto é de pão, de macarrão, como carboidrato, mas nem ligo pra doce, então é impossível eu ter diabetes’. Errado! O que me torna pré-diabético e diabético é ganhar peso, seja só com gordura ou só com proteína… Se eu ganhar peso vou causar uma resistência à insulina pelo excesso de gordura e vou virar diabético.
MidiaNews – Por que algumas pessoas perdem o peso e não conseguem manter o que perderam?
Maria Luisa Trabachin – A cada quilo perdido a gente aumenta a nossa fome em 100 kcal. Isso é o que os estudos mostram. Já o nosso metabolismo cai 30 kcal e qual a dificuldade disso? A manutenção. Por isso quando a gente perde peso, a manutenção tem que ser muito bem pensada: quando eu chego ao novo peso, meu metabolismo não está igual de quando comecei a perder peso. Ele cai já que está trabalhando com menos e a fome aumenta, pois nossas células são células poupadoras, elas não entendem porque o corpo está perdendo calorias propositalmente, pensando que o corpo está com déficit de alimento e, portanto, elas aumentam a fome como mecanismo de defesa e adaptação.
Então, se eu faço toda a perda, tenho que entender que não é fácil manter, pois o metabolismo vai cair, ficando mais fácil um novo ganho e causando o efeito “sanfona”, que chamamos também de “ioiô” e rebote.
Qualquer maneira que meu corpo perder peso, ele próprio vai trabalhar contra, pois é um mecanismo fisiológico de defesa, fazendo o metabolismo cair e tendo mais fome, causando esse efeito sanfona. Para mim, a manutenção tem que ser muito mais bem pensada que a fase da perda de peso, pois mais difícil que perder é manter.
MidiaNews – Muitas pessoas comem mais quando estão ansiosas. Até que ponto a ansiedade pode ser um fator para o sobrepeso?
Maria Luisa Trabachin – A ansiedade, que é o grande mal do século, gera várias coisas como consequência. Porém como é uma coisa que não pode ser medida, não tem como medir ansiedade por exame de sangue, por exemplo, acaba gerando uma negligencia das pessoas achando que tudo vai se resolver, mas ela é o estopim pra desencadear para diversas outras doenças, como a obesidade.
São exemplos o comedor noturno, que são aquelas pessoas que a partir da noite comem sem parar, às vezes acorda de madrugada e vai assaltar a geladeira, em um padrão de distúrbio alimentar. E também a compulsão alimentar, que a pessoa não tem parada, ela já saciou a fome dela, mas não para de comer. Ela não come uma bolacha, ela come o pacote inteiro. Aí vem a culpa, ela chora, se sente mal e vem aquela sensação ruim. Então você vê que tem de ter envolvimento de parte psiquiátrica. Terapia ajuda muito, principalmente a cognitiva comportamental e muitas vezes tem que se encaminhar para um psiquiatra.
Temos de sentar, fazer estratégias multidisciplinares, um trabalho conjunto do nutricionista, do preparador físico, do psicólogo, do psiquiatra, do endocrinologista… Então é uma rede de apoio que é o que vai fazer conseguir chegar lá [ao objetivo].
MidiaNews – Quais são os alimentos que não devem faltar na mesa de quem quer manter o peso?
Maria Luisa Trabachin – Primeiro, eu posso comer de tudo, quanto mais variada e natural for minha alimentação, melhor. Acabou isso de, mesmo o diabético, falar “ah, não posso comer nada”. Você pode comer desde que seja dentro da quantidade estipulada que você pode de glicose por dia.
E não é comer um pouquinho de tudo de comida pronta. É muito importante evitar ultraprocessados, porque é o que mais tem corantes, conservantes e excessos de coisas inúteis. Temos de descascar mais e desembrulhar menos. Se eu to fazendo isso, já estou com uma vantagem. Se eu já começo com ao invés de desembrulhar alguma coisa, eu descasco uma frute e como, se ao invés de pegar um molho pronto, eu faço, é tudo mais natural e eu estou saindo na frente.
Escolhas alimentares: o que a gente bate na tecla que tem de se tomar cuidado são os carboidratos, já a proteína é essencial para ganho de massa e saciedade, mas não adianta exageros porque também engorda. Por isso tudo é com cuidado e com equilíbrio.
Posso beber? Pode. Alguns estudos dizem que um pouquinho de álcool por dia faz bem para a parte cognitiva e para o colesterol. O problema é esse “pouquinho”, para alguns isso são três latas de cerveja (risos). Um pouquinho não é nem uma latinha.