A pré-candidatura da promotora de Justiça Elisamara Sigles Vodonós Portela ao cargo de procuradora-geral do Ministério Público de Mato Grosso mexeu com os bastidores da disputa dentro do órgão.
Enquanto alguns ainda se articulam para a eleição, marcada para dezembro, Elisamara surpreendeu ao divulgar na última semana um comunicado se lançando na disputa.
Em entrevista ao MidiaNews, ela afirmou que sempre gostou de deixar claro as suas pretensões e, a decisão de disputar um cargo tão importante, como de procurador-geral de Justiça, não seria diferente.
Se eleita, ela será a primeira mulher a comandar o Ministério Público Estadual.
Apesar de não se colocar como pré-candidata da oposição, Elisamara se disse contrária aos posicionamentos políticos dados pelo atual procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges, contra o presidente Jair Bolsonaro (PL).
“O MPE tem que ser apartidário e apolítico. O MPE é vedado de se filiar com qualquer partido político. Eu não acho oportuno um posicionamento acerca do chefe da nação”, disse ela.
Leia os principais trechos da entrevista:
Elisamara Portela – Primeiro que, em 130 anos, o Ministério Público de Mato Grosso nunca teve uma mulher como chefe da instituição. Segundo, eu trabalho com violência doméstica desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, quando eu era da central de inquérito. Em 2009, migrei da central para o núcleo de violência doméstica da Capital e você começa a estudar, se inteira, participa e vê esse absurdo que está acontecendo e passa a estudar mais a questão de gênero. Você vê que agora é o momento das mulheres começarem a mostrar a sua capacidade. Se antes nós não participamos de nenhuma chefia ou algum cargo de mais renome, é porque havia uma resistência da sociedade.
Antes a gente não tinha muita oportunidade. Essa oportunidade surgiu e eu tenho que ser coerente da mesma forma que coloquei naquele comunicado oficial. Se eu vou para a periferia, se eu vou para o bairro, se eu vou para a escola e falo “meninas, qual é o lugar da mulher?”, elas me respondem “é onde ela quiser”. As meninas de todas as idades nas escolas respondem “é onde ela quiser”. Onde eu quero estar é na Procuradoria Geral de Justiça.
MidiaNews – Considera que esse novo momento que a sociedade vive favorece a candidatura de uma mulher no MPE?
Elisamara Portela – Sim. Nós temos uma desembargadora presidente do Tribunal de Justiça, temos uma presidente da OAB, que é a Gisela Cardoso, e temos já a pré-candidatura de outra mulher para chefiar a Defensoria Pública no ano que vem. Diversos estados da federação já tiveram mulheres procuradoras gerais de Justiça e Mato Grosso nunca teve.
Eu acredito que tenho muito a contribuir dentro do MPE pela minha experiência. Tenho 27 anos de trabalho prestados perante o MPE e isso não é pouco. Eu sempre estive na ponta, na linha de frente, sei como esse Estado é grande e precisa de atenção dos colegas promotores. Sabemos que é difícil, mas temos que tentar apresentar um novo olhar para a administração.
MidiaNews – Fala-se que o procurador Roberto Turin recuou da candidatura. Ele vai apoiar a senhora?
Elisamara Portela – Ele é meu amigo e, se ele realmente optar por não ser candidato, tenho certeza que irá me apoiar.
MidiaNews – A senhora já chegou a conversar com ele?
Elisamara Portela – Já conversei com ele e ele disse que, se optasse por não se candidatar, iria me apoiar.
MidiaNews – Mas ele não informou a senhora que tinha recuado?
Elisamara Portela – Não. Não falou nada nesse sentido.
MidiaNews – Sabe-se que dentro do MPE há uma divisão clara entre dois grupos: de um lado o ex-procurador-geral Paulo Prado e de outro, o do atual José Antonio Borges. Por que existe essa divisão interna?
Elisamara Portela – Desconheço essa divisão, mesmo porque nunca participei de nenhuma eleição diretamente. A única pessoa que apoiei explicitamente foi o doutor Flávio Fachone. Sempre procurei, como membro do Ministério Público, apoiar e contribuir para a minha instituição.
MidiaNews – Flávio Fachone disputou as últimas eleições como candidato do lado do Paulo Prado. A senhora é a candidata desse grupo?
Elisamara Portela – Não sou da situação, porque eu nunca participei da administração da atual gestão do Ministério Público. Participo, sim, por ser promotora de Justiça na área da violência doméstica local, como promotora adjunta, mas da administração do trabalho propriamente dito do Ministério Público, a máquina, eu não participo. Mas também não sou da oposição, porque o doutor José Antonio Borges não é candidato à reeleição.
Eu desconheço, formalmente, quem é o candidato da situação. Portanto, eu sou, por enquanto, a primeira membra do Ministério Público que se posicionou publicamente como candidata.
MidiaNews – Nos bastidores, a informação é de que a situação trabalha a candidatura do subprocurador-geral de Justiça Deosdete Cruz Júnior.
Elisamara Portela – Não sei. Eu gostaria de ter essa informação oficial, do mesmo modo que me posicionei. Por isso falo que não sou da situação. Oposição é se eu tiver um opositor e, até agora, oficialmente não tenho nenhum.
MidiaNews – Nas últimas semanas, os servidores do MPE iniciaram um movimento falando, inclusive, em greve. Eles dizem que a gestão tem sido ruim aos servidores. O que pretende fazer para a categoria caso seja a próxima procurador-geral de Justiça?
Elisamara Portela – Eu acho que seria prematuro dizer o que vou fazer pela categoria dos servidores, até porque, estrategicamente, não seria muito inteligente da minha parte. A gente lamenta a situação que os servidores estão divulgando nas mídias, nos outdoors. E, sendo procuradora-geral de Justiça, a gente procurará melhorar as condições de trabalho de todos.
MidiaNews – Como vê essa gestão do atual procurador com essa situação? Acha que está faltando sentar e conversar com servidores?
Elisamara Portela – Eu não posso opinar sobre isso, porque não estou, de fato, acompanhando como tem sido feito esse trabalho. Tenho meu trabalho aqui na promotoria e não tenho tempo suficiente para estar acompanhando tudo isso, então não posso opinar e estaria sendo leviana de opinar sobre o caso, porque tudo é por “ouvi dizer”.
MidiaNews – Na semana passada, o sindicato dos servidores do MPE expôs uma série de contracheques de promotores e procuradores com supersalários. Não é ruim para a instituição que certas pessoas ganhem salários tão vultuosos num momento em que a população vive situação tão complicada?
Elisamara Portela – Os subsídios devem seguir o que dispõe a Legislação, sempre sob o controle da Corte de Contas e do Conselho Nacional do Ministério Público. Os holerites divulgados possivelmente apresentam pagamentos eventuais, não são salário. E, de outro lado, assim como as outras profissões, a carreira do Ministério Público deve ser valorizada. A desqualificação de uma carreira que presta relevantes serviços em nada ajudará as demais igualmente essenciais.
MidiaNews – Por que órgãos como o MPE e a Justiça não conseguem obedecer o teto constitucional?
Elisamara Portela – O valor dos subsídios estão sob o teto. Mas há casos em que a legislação e a própria Constituição admitem alguns pagamentos extras como, por exemplo, o adicional por atuação nas eleições, em face do acréscimo de trabalho. Tudo ordinariamente submetido aos órgãos de controle. Creio que muito do que se criticou como supersalários não são de fato subsídios, não são pagamentos mensais, mas pagamentos eventuais que se fazia jus naquele mês, como por exemplo o décimo terceiro.
MidiaNews – Não acha que o MPE dá margem para críticas quando toma algumas atitudes, como a famigerada compra de Iphones para promotores?
Elisamara Portela – Não tive acesso ao procedimento de compra desses aparelhos para avaliar, pois não integro a atual administração. Soube que havia justificativa técnica, em face da aceleração da informatização da Justiça e do teletrabalho durante o tempo crítico da pandemia. De qualquer modo, as críticas referentes à estrutura e vencimentos, e até mesmo à atuação na atividade fim, fazem parte do jogo democrático.
Às vezes, são argumentos que levam a repensar a gestão, outras são mero reflexo de disputa por verbas públicas. Evidentemente que tudo deve ser ponderado, inclusive as críticas, mas a pauta de atuação do administrador é a margem discricionária dada pela legislação. Esse é o limite das decisões administrativas.
MidiaNews – Como pré-candidata quais são suas propostas, o que vai propor e conversar para conseguir ser eleita?
Elisamara Portela – A gente pensa sempre na questão do diálogo. O diálogo para mim é fundamental. No trabalho contra a violência doméstica, a gente participa de um plano horizontal, onde todos têm voz e vez para falar, tem oportunidade de falar o que pensa e todos estão aptos a contribuir para a solução dos problemas. Para mim, o diálogo é fundamental.
E também, o trabalho em equipe. Estou na Capital desde 2002. Quando vim para cá, fui convocada pelo procurador-geral Guelmar Teodoro Borges para fazer parte do Gaeco. Trabalhei na Operação Arca de Noé. Eu era a única mulher que estava dentro do Gaeco naquela época. A Arca de Noé mudou a sociedade mato-grossense de água para o vinho. Houve uma melhora na qualidade e na segurança.
Posteriormente, vim para a violência doméstica e também trabalhamos e equipe, desde o início. Há mais de vinte anos que trabalho em equipe. Uma das coisas que a gente tem que fazer na administração é um trabalho efetivo de equipe, de diálogo. Isso é fundamental.
MidiaNews – A gestão do atual procurador foi marcada por um posicionamento bastante forte contra o presidente Jair Bolsonaro. Também tem o mesmo posicionamento que ele nesse ponto?
Elisamara Portela – O MPE tem que ser apartidário e apolítico. O MPE é vedado de se filiar com qualquer partido político. Eu não acho oportuno um posicionamento acerca do chefe da nação. Um posicionamento que existe, muito claro do Colégio Nacional de Procuradores Nacionais, é reafirmando a democracia no Brasil. Essa é uma pauta inegociável. O papel do MPE é reafirmar a importância da democracia, porque o MPE é o guardião.
MidiaNews – É um erro o atual procurador se posicionar dessa forma contra o presidente?
Elisamara Portela – Não. Acho que é uma escolha pessoal dele.
MidiaNews – Haverá um manifesto a favor da democracia contra os ataques do presidente às urnas eletrônicas e o risco de um golpe. Teme pela democracia brasileira?
Elisamara Portela – Não. Eu creio que a democracia brasileira vem se consolidando desde que o regime da ditadura foi derrubado. As instituições brasileiras são muito fortes, o MP é forte, o Poder Judiciário é forte, a Justiça Eleitoral é forte, os partidos políticos são fortes. A sociedade está bem consciente de que temos que viver uma democracia e ninguém quer uma ditadura como a China, como Cuba, como Venezuela, como a Rússia. Nós não queremos isso no Brasil, acho que ninguém em sã consciência quer viver em Cuba ou Venezuela. Países que, inclusive, nós estamos acolhendo.
MidiaNews – E como vê esses ataques às urnas eletrônicas? Há fundamentos para desconfiar do sistema eleitoral brasileiro?
Elisamara Portela – Eu desconheço. Já há muitos anos atuo no sistema eleitoral, porque é um sistema de rodízio pra atuar no eleitoral. Eu nunca tive conhecimento de nenhuma violação. São temas de índole federal que não tem atribuição do procurador-geral de Justiça. Ele administra o MP do estado, não tem gerência sobre questões que cabem ao procurador-geral da República, que é outra atuação.
MidiaNews – Grande parte da opinião pública tem criticado fortemente o suposto alinhamento do procurador-geral da República Augusto Aras com o presidente Jair Bolsonaro. Como vê a atuação dele?
Elisamara Portela – Não conheço especificamente os autos desses processos objeto das reportagens, só acompanho as notícias pela imprensa. Como procuradora-geral de Justiça deve ser mantida relação institucional com o procurador-geral da República, que preside o Conselho Nacional do Ministério Público. E, de minha parte, a atuação como procuradora-geral de Justiça será imparcial e de total respeito entre as instituições.