Especialista alerta que calor intenso deve mudar rotina dos cuiabanos nos próximos anos

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Dia nacional de conscientização das mudanças climáticas é comemorado neste sábado (16). A data foi instituída em 2011 por meio de decreto como forma de alerta à sociedade. A crise climática já é um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade no último século. Assim como outros lugares do mundo, a situação atinge Cuiabá, que chegou a bater 40C no inverno, com grandes ondas de calor.

Ouvir cometários sobre a temperatura e o calor da Capital foi algo rotineiro na vida dos cuiabanos durante o ano de 2023. A cidade, que tem como slogan “A Capital mais calorosa do Brasil”, realmente fez jus a título em diversos dias do ano, batendo recordes de temperatura.

Segundo relatório do Instituto Nacional de Meteorologia (IMET). Cuiabá, foi uma das cidades que registrou o inverno mais quente dos últimos 63 anos, com temperaturas que passaram os 40ºC.

Estudo do Programa de pós-graduação em Física ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGFA) revelou que há um aumento na tendência de dias e noites mais quentes na região.

 conversou com a diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), Alice Thuault, sobre como as mudanças climáticas podem afetar a cidade. Ela enfatizou que os estudos e modelos já apontam o aumento gradativo da temperatura causam problemas sérios, mesmo que numa curta escala. 

“Já temos dados e modelos de previsão para entender como está se manifestando a crise climática em Cuiabá e região, com um aquecimento de 1 a 2 graus célsius. Isso pode parecer pouco, mas tem impactos fortes. As altas temperaturas são a primeira manifestação de uma cadeia de consequência que é bastante dramática. Temos como exemplo a deficiência hídrica, ou seja, a falta de água, que já é uma variável observada e monitorada. Porém, há também o aumento de incêndios, a redução da produtividade agrícola e os impactos na Saúde das populações em situação de vulnerabilidade”, comentou. 

O apontamento feito pela diretora-executiva do ICV, vai de encontro com o que dizem os pesquisadores do PPGFA, que também destacam o aumento da temperatura e as ondas calor mais intensas e frequentes, como um grave fator de risco a saúde para grupos vulneráveis, como idosos e hipertensos. Além disso, a situação influencia diretamente nos períodos de secas e nas precipitações, causando escassez de água em reservatórios e rios. 

A crise climática 

Desde a revolução industrial no século XVIII, a humanidade vem acelerando sua maneira de produzir e consumir. Com isso algumas consequências foram ficando pelo caminho e se somando ao longo dos anos. Justamente esse passado histórico que Alice Thuault destaca como fator principal para situação climática atual.

 “A crise climática que atravessamos hoje tem raízes profundas na nossa história e no modelo de desenvolvimento que adotamos. Com isso, as consequências dela são inevitáveis hoje”, disse. 

A diretora da organização chama a atenção para a necessidade de adaptação das cidades para garantir a diminuição dos impactos no cotidiano.

“Vamos ter que nos adaptar. Essa adaptação passa por todos os aspectos da nossa sociedade: adaptar as escolas porque não é possível estudar com 38º, adaptar os sistemas de saúde porque em períodos de incêndios ou de calor intenso, assim como em setembro surgem mais casos de doenças respiratórios e em período chuvoso temos mais casos de doenças infecciosas como a dengue. Todas as políticas públicas e grande parte dos atores privados precisam pensar em como as mudanças climáticas estão afetando as suas atividades atuais e precisam se projetar num futuro no qual isso vai se intensificar,” comenta.  

Era da ebulição global

O termo ebulição global vem sendo utilizado como forma de enfatizar a urgência da pauta.  As altas temperaturas não formam exclusividade da capital mato-grossense, 2023 foi ano mais quente registrado na história, segundo Observatório da União Europeia.

Os dados divulgados pelo Observatório Copernicus Climate Change Service, no início deste ano, demonstram que 2023 foi o ano mais quente já registrado, com temperaturas globais próximas ao limite de 1,5 graus célsius pré era industrial, limite crítico segundo a comunidade científica. 

O aumento das temperaturas foi intensifica pelo fenômeno natural, El Niño, responsável por aquecer as águas do oceano Pacifico. No entanto, as ações do fenômeno por si só não é responsável pelo aquecimento, já que em 2023 a média de gases de efeito estufa atingiram os níveis mais altos já registrados na atmosfera, conforme citado pelo Copernicus Climate Change Service e Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus.

Segundo a organização Climate Central, entre 6, 7 milhões de pessoas foram expostas a um calor extremo devido às mudanças climáticas. Desse número, 4,8 milhões passaram por ao menos um dia de calor extremo. E com o calor constante, algumas medidas são necessárias, principalmente na Capital cuiabana. 

“No cenário municipal, é preciso pensar em medidas de adaptação em todos os estabelecimentos públicos com construções mais bem-adaptadas e nas ruas com mais árvores. É preciso pensar políticas estaduais para garantir a redução do desmatamento, seja ele legal ou ilegal. Foi feito muita coisa no monitoramento e fiscalização nesses últimos anos, mas é preciso termos políticas estruturantes para que a carne que chega à Capital seja comprovadamente livre de desmatamento e que a agricultura familiar e tradicional, seja fortalecida” , indica a representante do ICV.

O fogo como vilão e presença constante

Além do calor, outro grande vilão tem sido os grandes incêndios, como os que atingiram o Pantanal. 

Só no primeiro mês do ano, Mato Grosso já registrou 53,183 hectares afetados pelas chamas, com o aumento de 32% na variação anterior. A cidade de Cáceres aparece como mais afetada no primeiro mês de monitoramento do MapBiomas, com 9,617 ha de área afetada. 

Estudos realizados pelo PPGFA indicam que o aumento das queimadas está diretamente relacionado à redução da fotossíntese das plantas, resultando no aumento do dióxido de carbono (CO2). Exitem também o “black carbon”, um tipo de partícula de carbono, resultado da queima incompleta de biomassa, que atingem a atmosfera, e afeta a saúde respiratória. Os elementos também impactam ecossistemas locais e pode até influenciar processos climáticos mais amplos.

Mudanças no cotidiano

Para Alice Thuault, a mudança passa também pela população e pela análise individual de como nossa forma de viver contribui para o agravamento do cenário. Ela também afirma necessário refletir sobre como cada pessoa pode contribuir para a melhor a situação. 

“Se perguntar quais são as alavancas que temos a disposição para mudar as coisas é um primeiro passo fundamental. Pode ser fazendo uma análise de quanto que o nosso consumo contribui com o aquecimento global ou ter uma reflexão sobre o quanto que os representantes para os quais estou votando levam em consideração a crise climática atual.

Às vezes, pequenas mudanças significam muito: verificar se a carne que estou comprando vem de uma cadeia que tem rastreabilidade ou comprar verduras de pequenos produtores de alimentos orgânicos. O desmatamento é hoje a maior contribuição de Mato Grosso para o aquecimento global. Mato Grosso precisa desenvolver alternativas de produção de baixo carbono, e isso demanda muita política pública,“ finaliza Alice.