“Ineficiência na Saúde é tão maléfica quanto a corrupção”

Politica Saúde

O promotor de Saúde do Ministério Público Estadual, Milton Mattos, apontou a malversação de recursos e ineficiência na gestão como atos tão maléficos para a Saúde quanto a corrupção.

“A corrupção aliada à ineficiência da gestão, no gasto público, gastar o dinheiro mal, em ações que efetivamente não vão chegar na ponta para o cidadão… Essa ineficiência é tão maléfica quanto a corrupção. Agora, se você une corrupção com ineficiência, ai é a receita para o desastre”, afirmou.

Em entrevista ao MidiaNews, o promotor preferiu se abster de comentar as questões políticas envolvendo o caos na Saúde e o prefeito da Capital, Emanuel Pinheiro (MDB).

No entanto, falou sobre a atuação da equipe de intervenção, que atualmente é responsável pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e teceu críticas ao excesso de empresas terceirizadas na Saúde.

“Não sou contra a terceirização. Porém, acho que terceirizar demais é um problema, porque se uma empresa sai você acaba ficando refém”, disse.

Ao longo da entrevista, Mattos também reiterou a atuação da promotoria no combate ao caos na Saúde de Cuiabá, falou sobre os planos de reestruturação para a Pasta e opinou sobre o futuro da Saúde após a intervenção do Estado.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – Com a intervenção na Saúde, vieram à tona informações extremamente preocupantes sobre a Saúde de Cuiabá, como falta de insumos, rombos financeiros, entre outros problemas. Por que a Saúde da Capital chegou a esse ponto?

Milton Mattos – Eu assumi essa promotoria tem cerca de 80 dias. Então, na época em que foi solicitada a intervenção em Cuiabá eu não era promotor da Saúde.

Quem pediu a intervenção foi o procurador-geral de Justiça da época, José Antônio Borges. Ele solicitou a medida em razão de descumprimentos de ordens judiciais, bem como alguns fatos como falta de medicamentos e outros problemas que estavam acontecendo na Saúde de Cuiabá.

Esse pedido foi deferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que entendeu que realmente chegou em uma situação que necessitava de uma intervenção. Já apresentado relatórios, tive acesso a esses documentos, porque também estou acompanhando todas as medidas tomadas pela intervenção. Isso é para que a gente possa ter ciência e contribuir também para que haja sucesso.

Acho que é interesse, inclusive, da própria Prefeitura que tenha êxito na intervenção. Afinal de contas, no frigir dos ovos, quem ganha com isso é a população.

MidiaNews – Os problemas verificados pela intervenção são os mesmos encontrados pelo MPE?

Milton Mattos – Chega muito aqui na promotoria, verificando os inquéritos civis que já estavam instaurados, denúncias referentes à falta de médicos e de medicamentos. E esses problemas já estão sendo sanados. Já tinha sido feito um processo seletivo, um concurso público e essas pessoas estão sendo chamadas e os médicos estão sendo realocados para esses postos de saúdes e para as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento).

Falta de medicamento também. Nós estamos, inclusive, criando uma solução para isso, porque não é só comprar, a gestão tem que ser eficiente ao ponto de não faltar mais.

O que temos que trabalhar, e estamos tentando construir uma solução estrutural junto com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e o Tribunal de Contas, é para que haja dentro da Prefeitura um sistema de controle. Por exemplo, via servidores, com uso de tecnologia e a criação de fluxo de processos, para que esses medicamentos não faltem lá na ponta, que exista um controle que avise a falta desses medicamentos para que essa compra seja feita no tempo oportuno e haja um controle efetivo dos prazos de validade dos medicamentos.

É preciso se comunicar, porque se não um local está faltando medicamento enquanto outro está sobrando e está para vencer, mas eles não se conversam. Então, tem que ter essa gestão, porque os recursos são poucos frente as inúmeras demandas da Saúde. O meu trabalho aqui é identificar o problema estrutural por trás da falta de medicamento, de médicos e conversar com atores que trabalham na área da Saúde para que a gente possa resolver.

MidiaNews – Por falta de pagamentos, muitos médicos terceirizados estão abandonando os plantões. O que o MPE está fazendo para impedir essa prática, que resulta em falta de atendimento ao cidadão?

Milton Mattos – Tinha uma empresa que prestava serviço nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) do Hospital Municipal de Cuiabá e acabou deixando o serviço e teve que ser substituída, posteriormente, por outra empresa. Eles deixaram, segundo a informação, por falta de pagamento.

O que conversamos com a intervenção é que está havendo uma substituição desses médicos que são de empresas terceirizadas por médicos do processo seletivo. O Estado vai fazer um concurso, acredito que 400 vagas, que na minha opinião é muito pouco. Acho que tem que ter um debate maior sobre esse número, até porque é um acordo com o Ministério Público, temos que ser chamados para esse debate.

MidiaNews – A propósito, como vê essa quantidade de serviços terceirizados na Saúde Pública de Cuiabá?

Milton Mattos – Não sou contra a terceirização. Porém, acho que terceirizar demais é um problema, porque se uma empresa sai você acaba ficando refém só da terceirização.

Eu acho que o Município e o Estado tem que ter um quadro próprio de médicos em funções estratégicas para poder cobrir uma situação dessa e ai sim lançar mão, em lugares que você acha necessário, usar a terceirização. Hoje, temos terceirização de UTIs que inclusive a empresa é responsável até pela medicação, pela escala de plantão, por tudo e isso é um serviço tipicamente de Estado.

Talvez seria o momento de fazer uma reflexão sobre até onde se vai a terceirização e até onde o Município deve assumir. Eu não tenho a resposta exata para isso, mas acredito que os gestores e profissionais que estão dentro do sistema há muito tempo tem condições de responder.

A terceirização acontece em diversas cidades. É um momento de refletir, porque não é só Cuiabá que terceiriza, o Estado também faz isso. E isso é uma realidade não só de Mato Grosso, é uma realidade do Brasil a terceirização da Saúde, uma tendência.

MidiaNews – Na semana passada tivemos mais uma operação envolvendo empresa terceirizada e suspeita de pagamento de propina. Não acha que essas terceirizações são um caminho aberto para a corrupção?

Milton Mattos – Acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra. A terceirização é legal, o problema quando se fala em corrupção não está na terceirização, porque pode haver corrupção, inclusive, dentro da própria gerencia do Estado, do Município ou da União. A corrupção está muito mais ligada ao tipo de pessoa do que ao contrato, se é público ou privado. Isso está ligado ao caráter.

Agora, a partir do momento que você faz um contrato e lida com recursos… Se isso facilita ou não, a gente aqui não trata de operações policiais, isso quem está lidando são as promotorias de improbidade. Na nossa promotoria de Saúde é onde a gente busca soluções. Se isso, essa terceirização está sendo propicia ou não, acho que é uma questão que outras promotorias vão poder responder melhor do que eu.

MidiaNews – Como é para o senhor ver tantos casos suspeitos de corrupção e, ao mesmo tempo, se deparar com a precariedade da rede pública em Cuiabá? Isso lhe causa algum tipo de revolta?

Milton Mattos – É uma questão matemática. Os recursos da Saúde não são suficientes para fazer frente às demandas que são necessárias, isso é um fato. Então, o dinheiro é pouco, se ele ainda é desviado ai que não vai ser suficiente.

A corrupção aliada à ineficiência da gestão, no gasto público, gastar o dinheiro mal, em ações que efetivamente não vão chegar na ponta para o cidadão… Essa ineficiência é tão maléfica quanto a corrupção. Agora, se você une corrupção com ineficiência, ai é a receita para o desastre.

Eu sou promotor de Justiça há 18 anos, trabalhei em improbidade, em áreas criminais e acho que a questão que temos que ver no Brasil é a educação, temos que parar com o “jeitinho brasileiro” de querer levar vantagem nas coisas. Precisamos criar uma cultura de não-corrupção. Esse é o problema estrutural.

Lógico que corrupção e administração pública não podem andar juntas, sempre vai dar problema. Agora a ineficiência na gestão do recurso é tão nociva quanto a corrupção.

MidiaNews – Em fevereiro deste ano, uma fiscalização requisitada pelo MPE encontrou 5,5 milhões de unidades de medicamentos vencidos em um barracão da Prefeitura. O MPE já encontrou os responsáveis por isso?

Milton Mattos – Essa investigação, se não me engano, está na promotoria de improbidade. Aqui nós enquanto Ministério Público Promotoria da Saúde o nosso foco é realizar ações estruturais para que isso não aconteça.

Nesse caso, estamos trabalhando em um plano junto ao Tribunal de Contas e ao Município de Cuiabá, via intervenção, para que isso não venha a acontecer mais. Nós queremos criar fluxos para que haja um melhor controle dos prazos desses medicamentos e um sistema de gestão mais formatado.

Remédio vencer pode acontecer, o que não pode acontecer é vencer milhões de reais em medicamentos. Ai sim, temos que trazer um novo fluxo dentro desse sistema para que haja um efetivo controle e as pessoas saibam que vai vencer tantas caixas de dipirona do Pronto Socorro X, mas lá no Pronto Socorro Y está faltando esse medicamento.

Agora, os culpados e por que isso aconteceu afeta a promotoria de improbidade e eu não sei como está esta investigação.

MidiaNews – O senhor atribui o problema na Saúde de Cuiabá à má gestão ou corrupção?

Milton Mattos – Não tenho elementos para responder isso. Até porque não foi a minha promotoria que ajuizou essa ação. Ela foi uma ação ajuizada pelo procurador-geral de Justiça e determinada pelo Tribunal de Justiça.

Acredito que os motivos pelos quais essa ação foi ajuizada seria melhor direcionada ao então procurador-geral de Justiça, porque eles que estão tocando essa ação perante o poder judiciário.

MidiaNews – Acredita que, em três meses de intervenção, será possível melhorar a Saúde a ponto do cidadão sentir essa melhora na ponta? Como avalia o trabalho da interventora até agora?

Milton Mattos – Estou tendo um bom contato com o pessoal da intervenção e acho que eles estão tentando cumprir as determinações, até porque esta é uma intervenção feita em várias mãos. Acredito que o Tribunal de Justiça foi muito feliz em colocar o acompanhamento do Tribunal de Contas pela expertise que ele tem em relação a isso. Inclusive, o conselheiro Sérgio Ricardo afirmou que eles entraram nessa área da Saúde e vão ficar.

O sucesso da intervenção também vai depender muito se eles terão o recurso para fazer frente a todas as despesas, porque tem muitos fornecedores que precisam ser pagos. Tem toda uma questão financeira.

Uma coisa positiva que acho que está tendo é o diagnóstico da situação e acho que a intervenção tem melhores condições de tomar decisão, por exemplo, sobre remanejamento de servidores, de organizar a estrutura de pessoal dentro da Secretaria Municipal de Saúde. Isso é uma ação que traz um desgaste e acho que a intervenção tem uma oportunidade de fazer isso.

O saldo final da intervenção quem vai avaliar melhor não será eu, mas sim a população. O importante é que as ações desempenhadas na intervenção que sejam estruturais e que tenham um resultado positivo sejam mantidas.

Sobre o prazo é possível pedir a prorrogação, mas não sei se eles vão pedir e nem se o TJ autorizaria. Tudo vai depender desses eixos estruturantes que foram determinados.